Uma História de Papel Higiénico

"Em Ourém, uma sessão da assembleia municipal é uma sessão da assembleia municipal. Ou seja, nem se sabe bem como começa nem se sabe bem como acaba. Relativamente ao quando é a mesma coisa. O tempo é português. Nesta oportunidade, porque hoje realizou-se uma dessas sessões, uma nota.
Havendo várias dezenas de oureenses presentes, o período reservado à intervenção do público foi antecipado para o início da sessão. Falaram três porta-vozes, representando os encarregados de educação das escolas de Casal dos Bernardos, do agrupamento de escolas da Freixianda e da escolas de Rio de Couros. O que estava em causa era o transporte das crianças do pré-escolar e do primeiro ciclo do ensino básico, assim como o custo de tal transporte. Surpreendeu-me uma intervenção, não apenas por focar várias questões concretas - para além da tal dos transportes -, mas por as focar sob uma perspectiva que interpelava as prioridades políticas do município e, portanto, a sua afectação de verbas à educação. A intervenção foi de um civismo e de uma civilidade exemplares, não obstante a contundência. Tenho pena de não ter registado o nome da senhora, para o poder escrever aqui. Retive apenas a condição em que fez a sua intervenção, a de representante dos encarregados de educação do agrupamento de escolas da Freixianda. Proposta uma reacção a David Catarino, ele começou por dizer que tinha havido uma intervenção - a tal - que não merecia resposta, mas que, ainda assim, ia falar. Não lhe bastando esta consideração, David Catarino embalou o discurso, derrapando para considerações acintosas e ofensivas, declarando que a autora da intervenção referida não saberia escrever as palavras que tinha acabado de ler, que ela tinha feito uma intervenção «encomendada» e que tinha que ser ali «desmascarada». Perante o excesso de David Catarino e os termos em que o fez, o público vaiou-o. Faço notar que, embora contrários à ordem regimental da assembleia municipal, os apupos foram merecidos por ele. A consequência foi que, sentindo-se, David Catarino decidiu calar-se. Em face disto, Deolinda Simões tentou apaziguar a situação. Mas acabou por fazê-lo de modo infeliz. Primeiro invocou a necessidade de as pessoas dialogarem com os autarcas e os serviços municipais e de os presidentes de junta de freguesia mediarem tal diálogo. Até aqui tudo bem. O problema surgiu depois, quando começou a doutrinar, dirigindo-se ao público presente e dizendo que, para tratar os seus problemas, devia evitar palavras «arrogantes» e «agressivas» e ter humildade. Ora aconteceu que, qualquer que tenha sido a intenção de Deolinda Simões, o seu discurso não foi acolhido sem resposta, havendo uma pessoa da assistência que, desarmando-a, lhe fez notar que ela devia estar a dirigir aquelas palavras ao presidente da câmara municipal, por ter sido ele a exorbitar nas considerações feitas. O resultado disto foi que, pouco depois, David Catarino tentou explicar o que estava a suceder com o transporte escolar. No entanto ficaram algumas perguntas sem resposta. O que fez com que Deolinda Simões tentasse voltar a ter um papel conciliador, comprometendo-se a envidar esforços no sentido de realizar uma sessão de esclarecimento, com vista a informar melhor as pessoas e a resolver os casos expostos, para o que tornou também a pedir o contributo dos presidentes de junta de freguesia. Neste ponto, uma observação. Não custa admitir que uma parte das pessoas que se manifestou - não foram poucas - possam não estar informadas ou ter uma expectativa distorcida em relação aos seus direitos e aos dos seus filhos. Segundo afirmou David Catarino, o município só tem obrigação de assegurar o transporte gratuito das crianças cuja morada diste mais de três quilómetros da escola. Este é um dos lados do problema. O que não impede que se pergunte por que é que, para além da sua obrigação estrita, o município - e as freguesias - não asseguram também o transporte gratuito às outras crianças que dele necessitam. Importa custos? Importa. Justifica-se? Obviamente, se entender-se que a integração pré-escolar e escolar é um direito e um investimento social, não um desperdício. Neste sentido, convém não esquecer que há outros lados do problema, relacionados com o preço cobrado pelo transporte - vinte e dois euros por mês -, com o trajecto dos autocarros e com o transporte das crianças para o refeitório à hora de almoço. Não obstante as alterações que tenham ocorrido entre o final do ano lectivo passado e o início do ano lectivo presente - como o encerramento de algumas escolas, por exemplo -, se houvesse no município de Ourém uma cultura de serviço público, e não de favor ou de frete, todas estas questões deveriam ter sido acauteladas e esclarecidas a tempo e horas pelos serviços municipais, junto das escolas e dos encarregados de educação. O que significa que o «queixume das pessoas» que Deolinda Simões disse ter testemunhado desde o seu gabinete aquando o arranque do ano lectivo presente deve-se em grande medida a tal falta de zelo e de disponibilidade para servir os munícipes. Que raio, afinal não é para isso que existe o município?
Post scriptum. Em Ourém há infantários e escolas em que o papel higiénico é fornecido pelos encarregados de educação. David Catarino disse que já ouviu falar do assunto e que a responsabilidade é das freguesias, para as quais o município transfere verbas. Não sei. Sei apenas que, considerando todas as dificuldades e todas as limitações orçamentais das autarquias locais - município e freguesias -, tal facto é uma vergonha. Não uma vergonha no sentido simbólico, por ser um pormenor. Não. É uma vergonha autêntica. Que ninguém com responsabilidade política local a evite é uma vergonha maior."

2 comentários:

Anónimo disse...

vergonhoso ,de mau gosto mas ao jeito da maioria laranja que infelizmente nos dirige
mais proprio de uma ditadura do que de uma democracia que se quer participativa e envolvente na sociadade civil.
quando alguem tem acoragem de apontar o que vai mal de dar ideias de debater é tratada como se de uma ignorante se tratasse uma "burra" ao serviço da oposição
nunca passou pela cabeça do catarino ou da presidenta deolinda
ter sido apenas um exenplo de cidadania .
será que se a cidadã fosse de fatima faria alguma diferença?
sergio

Unknown disse...

Há quem diga que a história se repete. Mesmo quando não é exactamente igual, será ao menos parecida. Há um ano as mães da Freixianda fizeram notícia com a manifestação à porta da Câmara Municipal a pedir melhores condições para a escola. David Catarino veio de propósito à Freixianda para falar com elas. Fosse o que fosse que lhes prometeu, foi suficiente para acabar tudo em bem. Depois disso fizeram pequenos arranjos na casa de banho da Escola Primária e nada mais. Este ano voltaram os protestos. Veremos se a história se repete.

No que toca a promessas de políticos, a Freixianda parece fácil de contentar.